De fato, o título desse texto soa absurdo. Assim muitos devem achar, e eu concordo. Infelizmente, contudo, desde julho de 2016, quando a aposentadoria de Duncan foi anunciada, esse pedido tem se mostrado ocasionalmente necessário.
É que há vários novos fãs da NBA que pouco o conhecem. Desses, muitos devem saber que um cara chamado Tim Duncan foi uma lenda da história recente da NBA, “tipo Anthony Davis que não arremessava para três pontos”, outros devem sugerir. Uma parte considerável não deve ter a noção do tamanho de sua grandeza, da amplitude de seu impacto, de seu nível técnico ou de sua dominância em quadra. Não é difícil, por exemplo, ver reações de estranhamento ao dizer que é praticamente um consenso entre os especialistas que Tim Duncan é um dos 10 melhores jogadores da história da NBA.
E tudo bem. Duncan é assim mesmo, ele não está e nunca esteve constantemente aparecendo, seja pessoalmente ou por meio de highlights diários nas redes sociais relembrando sua carreira, e provavelmente ele seria o último a ligar para isso.
Um bom exemplo dessa característica de Tim Duncan é sua própria aposentadoria, que ele nem sequer anunciou. No mesmo ano em que Kobe Bryant fez um tour de despedida durante toda a temporada regular, Timmy foi aos Playoffs como sempre, batalhou até o fim, apontou o dedo para cima na saída de quadra de sua última partida e até treinou na offseason, mas não falou nada sobre sua aposentadoria. Ficamos sabendo que ele não jogaria mais pelo Spurs ou qualquer outro time por meio de uma nota da franquia em seu site oficial.
“SAN ANTONIO (July 11, 2016) – San Antonio Spurs forward Tim Duncan today announced that he will retire after 19 seasons with the organization. Since drafting Duncan, the Spurs won five championships and posted a 1,072-438 regular season record, giving the team a .710 winning percentage, which is the best 19-year stretch in NBA history and was the best in all of the NBA, NFL, NHL and MLB over the last 19 years.”

Sem temporada de despedida, sem “jogo do adeus”, sem nem mesmo uma entrevista. Do modo mais Tim Duncan possível, nos despedimos da carreira do maior jogador de sua era.

Ele só apareceu mesmo quando as Ilhas Virgens Americanas precisaram, após a devastação causada pelo Furacão Irma. Em setembro de 2017, ele veio a público pedir apoio à sua terra natal, pedir ajuda aos esforços que ele já liderava, por meio de um texto para o The Players’ Tribune que chamou de “Don’t Forget About the Islands”, algo como “Não se esqueçam das Ilhas” em português. Ora, Duncan não precisa de ajuda alguma, mas mesmo assim eu peço: “Não se Esqueçam de Tim Duncan”.
Pois bem, vamos ao que interessa. Prometo tentar ser o mais breve possível a partir daqui.
Como lembrar de Tim Duncan?
“Ele vivia na Pós-Temporada” disse LeBron James certa vez ao se referir a Tim Duncan, e ele estava certo. Timmy foi para os Playoffs em todos os anos de sua carreira, chegou a 6 finais, conquistou 5 títulos, e ainda tem diversos recordes individuais na fase decisiva do ano da NBA. O que não quer dizer, todavia, que Duncan também não brilhava na temporada regular. Afinal, ele foi um dos maiores e mais consistentes jogadores da história da NBA, e isso não se faz só em alguns anos ou em sequências de 16 a 22 jogos, mas também ao longo de centenas de partidas, de toda uma carreira.
Seja na temporada regular, nos Playoffs ou nas Finais, no ataque ou na defesa, como o centro do sistema ofensivo do time ou não, Tim Duncan deixou sua marca entre os maiores da história.
A seguir, algumas das inúmeras respostas possíveis para a pergunta: “Como eu devo lembrar de Tim Duncan?”
Superestrela e Top 10

“Superestrela” é provavelmente o mais alto rótulo individual de um jogador da NBA que não seja uma premiação ou seleção, como MVP ou Hall da Fama, por exemplo. E para chegar a esse rótulo é preciso não só ser um dos melhores jogadores de seu tempo, como ser icônico, memorável e midiático. Essa última característica talvez seja a mais distante de Timmy, mas é ingenuidade achar que um MVP multicampeão e maior jogador de sua era não não tinha presença frequente no SportsCenter ou nos talk shows de basquete estadunidenses, ainda que alguns outros dos maiores dessa mesma era, como Kobe e Shaq, estivessem muito mais presentes na televisão e no rádio. Por mais reservado que fosse, era impossível ignorar o que Duncan fazia em quadra.
São poucas as superestrelas da história da NBA, inclusive, que tem um currículo como esse. Talvez só um legítimo Top 10:
- 5x Campeão
- 3x MVP das Finais
- 2x MVP da Temporada Regular
- Hall da Fama
- 15x All-NBA
- 15x All-Defense (maior da história da NBA)
- 15x All-Star
- All-Star Game MVP
- Líder de tocos (568) na história dos Playoffs
- Recorde positivo contra todos os outros times da NBA
- 50 vitórias em todas as 18 temporadas com mais de 50 jogos que participou
- Classificação para os Playoffs em todas as 19 temporadas que jogou
- 1.001 vitórias em temporadas regulares (maior da história em um único time)
- Aproveitamento de vitórias de 71%
- 19 temporadas com campanha positiva fora de casa (recorde da NBA)
- Entre muitos outros recordes.
Um dos maiores defensores da história
O prêmio que realmente lhe faltou foi o de Defensor do Ano, mas não por falta de merecimento. Duncan liderou uma defesa top 5 da NBA em todos os anos de sua carreira e teve um enorme impacto no lado menos glamouroso da quadra no basquete universitário e do início ao fim de sua passagem pela NBA. Tanto é que até mesmo em sua última temporada, em 2015/16, foi o líder da Liga em Defensive Real Plus-Minus (5.14).
Só um dos maiores defensores que já pisaram numa quadra de basquete pode dizer que o Defensive Win Shares de sua carreira é o segundo maior da história da NBA, atrás apenas do melhor defensor – e talvez maior jogador – de todos os tempos, Bill Russell. Duncan é o único que pode dizer isso.

Como já dito, Duncan é o líder da NBA em seleções para o All-Defense Team, com 15, e também é o jogador com o maior número de tocos da história dos Playoffs, com 568 blocks, quase 100 a mais que Kareem Abdul-Jabbar (2º – 476) e Hakeem Olajuwon (3º – 472).
Super Dominante

Esse tema requer um texto inteiro, até porque é uma das características menos lembradas de Tim Duncan, principalmente por como ele mudou seu estilo de jogo e sua função no ataque do Spurs na última fase de sua carreira. Para ser o mais breve possível, contudo, não entrarei em detalhes, trarei apenas uma ilustração dessa sua característica.
Depois de temporadas dominantes no basquete universitário, todo mundo já sabia que Duncan seria um grande jogador, talvez o que poucos esperavam era que ele fosse tão dominante tão cedo. Já em seu primeiro ano da NBA – isso mesmo, praticamente com o mesmo tempo de Liga que Tre Jones, Devin Vassell e LaMelo Ball nesse momento -, o camisa 21 foi um dos melhores jogadores da temporada, tanto é que foi selecionado para o 1º Time da NBA (1st Team All-NBA) de 1998 ao lado de Gary Payton, Michael Jordan, Karl Malone e Shaquille O’Neal.
No ano seguinte, temporada 1998/99, seria difícil até mesmo igualar o grande feito de sua primeira temporada, mas ele fez muito, muito mais. Apenas no segundo ano de sua carreira, Tim Duncan já liderou o Spurs a uma incrível sequência nos Playoffs (15-2) – com direito a 4-0 no Lakers de Shaq e Kobe, por exemplo – e ao primeiro título da história da franquia, pelo qual ainda recebeu o prêmio de MVP das Finais, se tornando o mais novo a recebê-lo desde Magic Johnson.
Não vou contar aqui toda a primeira parte da carreira de Tim Duncan – afinal, prometi ser breve -, mas, em resumo, depois dessas duas primeiras temporadas surreais ele foi ainda mais dominante e espetacular. Foi um dos melhores, se não o melhor, jogador da NBA tanto no ataque quanto na defesa e conquistou o prêmio de MVP por dois anos consecutivos, em 2002 e 2003, além dos títulos e MVPs das Finais em 2003 e 2005.

As vezes pensam em Tim Duncan como aquele jogador dos últimos anos de sua carreira que fazia tudo certinho para sua equipe, era extremamente importante para o sucesso do time, mas que não tinha os números individuais das outras superestrelas. Mal sabem, provavelmente, que em seu longo auge, Timmy era capaz de fazer 25 pontos, 15 rebotes e 4 tocos em 50% de aproveitamento em qualquer dia e contra qualquer adversário, até mesmo nos Playoffs – tudo isso numa época em que os placares abaixo do 100 pontos eram extremamente comuns.
Nas Finais de 2003, por exemplo, as finais do suposto quádruplo-duplo, e no ano em que ele já havia sido MVP da temporada regular, Duncan terminou a série que trouxe o segundo título ao Spurs com médias por jogo de 24.2 pontos, 17 rebotes, 5.3 assistências e 5.3 tocos em 49.5% de aproveitamento em 6 jogos em que seu time fez uma média aproximada de apenas 87 pontos em cada.
Se isso é ser passivo, eu não sei o que é ser dominante na NBA.
Multicampeão
Dessa característica acho que todos lembram. Ainda que exista quem queira injustamente diminuí-la por ele ter jogado no Spurs, muito se lembra de Timmy como um jogador vencedor do início ao fim, e essa é a mais pura verdade.






Tim Duncan é o único jogador da história a ser campeão da NBA em três décadas diferentes (90, 00 e 10) e em todas elas venceu de uma diferente forma. Sempre o melhor do time em quadra, mas com uma função diferente na equipe em cada uma delas, a função que mais favorecesse as chances de título.
Em 1999, Duncan foi campeão ainda com o protagonismo dividido com David Robinson, quando ele já era o melhor em quadra, mas as Torres Gêmeas como um conjunto eram o centro do ataque. Já em 2003, apesar da presença do Almirante, de Parker e de Ginobii no elenco, Timmy foi o foco total do ataque do time campeão, e outra vez não decepcionou. Em 2005 ele ainda era a peça central do time, mas a bola já passava um pouco mais pelo perímetro que dois anos antes, tanto por Manu como por Tony, ainda que principalmente pelo 21 próximo ao garrafão.
Em 2007 o Big Three já estava muito mais equilibrado, e apesar de continuar sendo o melhor em quadra e o ataque ainda de certa forma funcionar envolta dele, os pick n’ rolls já eram mais importantes para o time que suas jogadas isoladas próximas à área pintada, tanto é que pela primeira vez não foi MVP das FInais, prêmio que foi para Tony Parker. Por fim, em 2014, Duncan ainda era o melhor e pilar defensivo do time, mas já não era o centro do ataque, e sim apenas mais uma das engrenagens – e que engrenagem! – de um sistema ofensivo coletivo fantástico que trouxe o quinto e último título a San Antonio.
Após a era de Michael Jordan, isto é, desde 1998, Tim Duncan é ao lado de Kobe Bryant o maior campeão da NBA, ambos com 5 títulos, e ao lado de Shaquille O’Neal (3) e LeBron James (4), um dos jogadores mais vezes MVP das Finais, com três desses troféus. Desde que chegou na NBA, em 1997, nenhum outro jogador foi campeão mais vezes que Tim Duncan, e só LeBron James foi mais vezes MVP das Finais.
Responsável pelo Spurs que conhecemos hoje
Como o próprio Greg Popovich já disse, Tim Duncan não é vencedor por causa da franquia que o escolheu com a 1ª escolha do Draft ou do técnico que teve sempre ao seu lado. Para Pop, trata-se do oposto, na verdade Timmy é a principal razão dele e do Spurs serem hoje vencedores.
“Foi Timmy que nos fez vencedores.”
Greg Popovich, técnico 5 vezes campeão da NBA e com 1.001 vitórias ao lado de Tim Duncan.

É claro que esse enorme sucesso é fruto de um belíssima união entre um dos maiores jogadores da história e um ambiente que tinha tudo a ver com ele, ou que ao menos pôde se moldar quase que completamente ao seu estilo, um estilo que, por sinal, foi bom para todos os envolvidos. Mas é evidente que o efeito de Tim Duncan na franquia foi muito maior que o efeito da franquia em Tim Duncan.
Esse é mais um tema que requer um texto inteiro para ser tratado da forma que merece, mas o que se pode dizer é que o San Antonio Spurs é hoje uma das maiores, mais tradicionais e mas vitoriosas franquias que há na NBA graças, principalmente, ao garoto das Ilhas Virgens que vestia a 21.
Hall da Fama
O Naismith Memorial Hall da Fama do Basquete forma o mais prestigiado grupo do basquete do mundo, e é possivelmente o ápice da premiação individual de um jogador ou técnico desse esporte. Nada mais justo que Tim Duncan fazer parte dele.

O dia 15/05/2021 ficará para sempre marcado como o dia escolhido por simbolizar a adição dessa última e gigante consagração ao espetacular currículo do nosso 21.
Certamente, há muitas outras razões para lembrar de Tim Duncan, como por exemplo pelo grande e diferente líder que ele era dentro do elenco, pelo ótimo colega de equipe, por como ele tratava bem seus adversários ou até pela famosa alcunha de “melhor ala-pivô de todos os tempos”, entre outras.
É praticamente impossível resumi-las a apenas uma publicação, mas acho que os textos da Semana Tim Duncan do Portal conseguem trazer uma boa noção de tudo que Tim Duncan significou.
Obrigado, Timmy.